Outros

A juventude quer mais

Nova Lima cresce e se destaca economicamente no Brasil, mas parte significativa de sua juventude ainda encontra barreiras para acessar oportunidades de cultura, lazer, formação e trabalho

Por Helena Alevato - Nova Lima

Imagem: Freepik/Homem jovem, de costas, encarando o horizonte

Imagem: Freepik/Homem jovem, de costas, encarando o horizonte

A juventude é uma fase da vida marcada por intensas transformações - biológicas, emocionais e sociais - que moldam escolhas e possibilidades futuras dos indivíduos. Esse momento da vida é tão importante que a Lei 12.852/2013 institui o Estatuto da Juventude, que resguarda e reafirma direitos dessas pessoas. Legalmente, o jovem tem reafirmados seus direitos à Cultura; ao Desporto e ao Lazer; à Profissionalização, ao Trabalho e à Renda; entre muitos outros. Também de acordo com a legislação brasileira são considerados jovens todos aqueles que têm entre 15 e 29 anos. Em Nova Lima, segundo informações do DATASUS, há 23.176 pessoas nessa faixa etária, o que representa mais de 20% dos 119.142 habitantes do município. E, nos últimos anos, a cidade tem ganhado os holofotes: altos índices de arrecadação, destaque em rankings de renda média per capita e protagonismo em debates nacionais sobre mineração, industrialização e atração de grandes empreendimentos. 

Nova Lima passou a figurar entre as cidades que mais arrecadam em Minas Gerais e também entre as que apresentam maior potencial de valorização imobiliária, principalmente nas regiões próximas à capital. É de se esperar que a juventude nova-limense - nascida e criada na terra - esteja usufruindo disso. No entanto, para uma parcela significativa da população jovem, esse crescimento nem sempre se converte, na prática, em oportunidades reais. Para muitos, a expansão econômica e o prestígio político parecem fazer parte de um outro universo, do qual estão geograficamente próximos, mas socialmente afastados. E o que significa ser jovem em uma cidade que cresce a passos largos, mas não necessariamente para todos?

Sarah Cristiny, 27 anos, Cascalho

Moradora do bairro Cascalho, aos 27 anos Sarah é barbeira por escolha e paixão. “Tenho muito orgulho da minha profissão; mais do que cortes, meu trabalho é sobre autoestima, cuidado, estilo e conexão com cada cliente que passa pela minha cadeira”, afirma. “Meu dia a dia é basicamente dentro da barbearia. É onde eu coloco minha energia, foco no atendimento, estudo técnicas novas e busco sempre entregar o melhor. Fora isso, eu não costumo sair muito pela cidade. Nova Lima é boa, mas ainda falta mais interação voltada para os jovens, principalmente em relação a estudo, oportunidades de trabalho e opções de lazer tranquilo. Sinto falta de mais espaços e eventos voltados para o público jovem. No meu caso, não costumo frequentar muitos espaços, pois acho que ainda faltam opções que combinem com meu estilo de vida e com o que eu procuro para os momentos de lazer”, observa.

Imagem

Sarah Cristiny

TV BanquetaTV Banqueta

A maior parte das oportunidades de estudo está fora da cidade. Nova Lima oferece oportunidades sim, mas ainda não é fácil. Acredito que por isso muitos jovens acabam saindo daqui em busca de oportunidades melhores

Sarah Cristiny

Qualificação profissional

Mesmo com uma rotina de trabalho intensa, Sarah não abre mão dos estudos. “Estou sempre estudando dentro da minha área, principalmente online. Faço cursos, mentorias e busco conhecimento constante para evoluir na barbearia e no empreendedorismo”, conta. “A maior parte das oportunidades de estudos relevantes ainda estão fora da cidade. Nova Lima oferece oportunidades sim, mas ainda não é fácil. Acredito que por isso muitos jovens acabam saindo da cidade em busca de oportunidades melhores, especialmente em áreas que exigem mais especialização ou variedade de atuação”. E é claro que Sarah não é a única jovem nova-limense a observar que a cidade deixa a desejar em certas áreas – seja estudo, lazer ou cultura. 

Daniel Filipe, 27 anos, Cristais

A rotina de Daniel, designer gráfico, é marcada por práticas de atividade física e momentos de lazer mais descontraídos: musculação, vôlei, corrida e bares durante os fins de semana. Mas, apesar de ter certa proximidade com os espaços urbanos da cidade, Daniel acredita que ainda há muito a ser feito quando se trata de cultura voltada à juventude. “Acho que a cidade pode explorar melhor outros tipos de manifestações culturais além de shows de pagode e rock”, observa. “O Espaço Cultural é sensacional, mas acredito que há possibilidades de locais como o Bicame e a Praça Bernadino de Lima serem mais bem aproveitados. Isto é, para além do Carnaval. Também adoro o Teatro Municipal, e creio que o Cineminha ainda tem muito a agregar. Esses espaços têm potencial para receber programações diversas ao longo do ano, e não apenas em datas pontuais”, comenta. 

Imagem

Daniel Filipe

TV BanquetaTV Banqueta

Falta liberdade para que os jovens produzam eventos para eles próprios. Vejo muita censura no que diz respeito ao funk, rap e suas vertentes na cidade ainda

Daniel Filipe

Cultura

Quando suas demandas por acesso à cultura não são atendidas em Nova Lima, Daniel precisa encontrar outras opções na capital. “Gosto muito do centro de Belo Horizonte, e isso para além dos museus da cidade. Lá sempre tem ótimas opções culturais gratuitas e diversas que me inspiram”, conta. Na perspectiva dele, o que falta em Nova Lima não é só estrutura relacionada aos aparatos culturais, mas também liberdade criativa. “Falta liberdade para que os jovens produzam eventos para eles próprios. Vejo muita censura no que diz respeito ao funk, rap e suas vertentes na cidade ainda”, ressalta o designer gráfico. 

Gabriel Fernando, 28 anos, Cristais

Gabriel Fernando divide sua rotina entre o trabalho como motoboy e a atuação como instrutor de skate. Quando o assunto é lazer, seu envolvimento com a cidade passa por espaços extremamente significativos para parte da juventude nova-limense. Entre eles, a Batalha CTR, evento de rima que acontece na Praça do SENAI, quinzenalmente às sextas-feiras, e os jogos do Villa Nova, clube tradicional da cidade. Além disso, Gabriel participa ativamente das atividades promovidas pela Associação de Skatistas de Nova Lima, sediada no bairro Cariocas, na quadra do Barracão. “Frequento a batalha, os jogos e as ações da associação. São poucos os espaços que a gente tem, então esses acabam sendo fundamentais pra convivência e cultura mesmo”, relata. Gabriel, assim como Daniel, percebe que as programações culturais oferecidas em Nova Lima ainda deixam de dialogar com realidades e interesses plurais da juventude.

Imagem

Gabriel Fernando

TV BanquetaTV Banqueta

Frequento a Batalha CTR, os jogos e as ações da Associação de Skatistas. São poucos os espaços que a gente tem, então esses acabam sendo fundamentais pra convivência e cultura mesmo

Gabriel Fernando

Trabalho

A escassez de oportunidades em Nova Lima parece não se limitar ao campo cultural. “A maioria dos meus amigos estuda, ou precisou estudar, fora. Isso me fez acreditar que as opções que existem em Nova Lima não atendem a todos”, comenta. No que diz respeito ao universo do trabalho, ele também vê alguns obstáculos. “Em relação a encontrar trabalho aqui na cidade, também não acho nada fácil. Ainda mais pra quem tem pouca experiência”, relata. “Eu mesmo nunca tive um emprego formal - CLT, com direitos e tudo mais - dentro da cidade”, complementa. Apesar de Gabriel gostar de Nova Lima, e estar envolvido com parte de sua vida cultural, esse vínculo não parece suficiente para garantir uma permanência no longo prazo. “Eu realmente acho Nova Lima uma cidade da hora, mas não me vejo morando aqui por muito tempo não”, finaliza.

Brenda Caroline, 20 anos, Centro

Brenda Caroline cursa Nutrição em uma faculdade localizada em Belo Horizonte. Seus dias são marcados pelo estágio obrigatório, o que limita significativamente sua participação em atividades culturais ou de lazer dentro de Nova Lima. Ainda assim, sua percepção da cidade vai além da rotina apertada: ela enxerga que há movimentação cultural, mesmo sem conseguir usufruí-la. “Embora eu não participe, vejo que tem muitos eventos, muitas coisas interessantes acontecendo”, observa. Mesmo situada no coração da cidade, Brenda reconhece que há uma distância entre o que é ofertado e o que de fato se conecta com os jovens, especialmente com aqueles que conciliam estudo e trabalho. Ao pensar no futuro, Brenda se mostra aberta a continuar na cidade, mas reconhece que isso depende diretamente da presença de boas oportunidades. “Se aparecerem novas e boas oportunidades, creio que estarei aqui daqui alguns anos. Caso contrário, não”, conclui. 

Imagem

Brenda Caroline

Imagem

Kelvin Junio

Kelvin Junio, 25 anos, Veredas das Geraes

Designer de interiores já formado, Kelvin não está estudando atualmente, mas acompanha de perto as opções formativas na cidade. “Acredito que Nova Lima tem boas opções, principalmente nos cursos técnicos, mas as faculdades sempre são fora. Já em relação ao trabalho, percebo a cidade carece de emprego quando não são supermercados, ou outros tipos de prestação de serviço, como o comércio. E faltam oportunidades principalmente em áreas mais técnicas e criativas, como TI e designer – eu mesmo trabalho fora”, expõe. “Quando saio, vou comer um cachorro-quente do Otílio, no Bicame, no Esquina 09. Vez ou outra eu apenas faço alguns passeios, tipo Rego dos Carrapatos e Rego dos Amores. No geral, Nova Lima é muito carente de vida noturna. Quando tem alguns eventos mais cedo no final de semana são bons, porém passou das 19h são apenas shows de vez em nunca”, desabafa.

Karla Daniele, 22 anos, Cariocas

Moradora do bairro Cariocas, Karla Daniele vive a cultura de Nova Lima com o corpo inteiro. “Eu jogo capoeira com o mestre Jaiminho, danço quadrilha no Arraial Pé Roxo e jogo hóquei no Cariocas”, diz. Diferente de outros jovens que não se reconhecem tanto nos espaços e eventos oferecidos pela cidade, Karla se sente parte. “Sei que não é tudo as mil maravilhas, mas entendo que o primeiro passo não deixa de ser dado, e Nova Lima investe em cultura. Com editais para grupos coletivos, com projetos de consciência negra e para artistas locais, com projetos para terreiros e religiões de matriz africana”, comenta.

Imagem

Karla Daniele

TV BanquetaTV Banqueta

Sei que não são tudo as mil maravilhas, mas entendo que o primeiro passo não deixa de ser dado, e Nova Lima investe em cultura

Karla Daniele

Empregabilidade dos jovens: não há dados           

Apesar da Administração Municipal de Nova Lima reconhecer que não há um indicador público consolidado sobre a empregabilidade de jovens na cidade, segundo a prefeitura, é possível observar alguns aspectos da dinâmica local. “De 2022 a 2024, com o programa Conexão Profissional, tivemos cerca de 1.800 pessoas empregadas, sendo que quase 40% do público atendido se enquadra na idade entre 15 a 29 anos”. Além disso, o município ressalta que “anualmente, são captadas uma média de 1.500 vagas de trabalho”. Diante dos relatos de jovens que afirmam nunca terem conseguido um emprego formal na cidade, ou que sentem falta de oportunidades nas áreas criativas, técnicas e tecnológicas, esses dados parecem não abranger toda a complexidade da realidade.

Deslocamento da juventude

Quando confrontada com a realidade do deslocamento de parte da juventude para cidades vizinhas, especialmente para Belo Horizonte, a prefeitura aponta que esse fluxo está inserido em um contexto mais amplo. “Devido à presença de programas qualificados e à proximidade com a Região Metropolitana de Belo Horizonte, muitos jovens conseguem encontrar oportunidades no próprio município”, argumenta. Ainda assim, admite que “a dinâmica pendular típica da região, conforme estudos da RMBH, também indica que uma parcela dos jovens se desloca para a capital ou municípios vizinhos em busca de vagas com maior oferta ou melhores condições”. Em relação à saída permanente de jovens, o Governo Municipal alega que “ainda que não existam dados quantitativos completos disponibilizados pela prefeitura especificamente sobre o balanço de jovens que permanecem versus os que se mudam para estudar ou trabalhar”. 

Outros
Brasil
Política
Cidade

notícias relacionadas